África-Brasil: A herança do outro lado do Atlântico na Mostra de Cinemas Africanos em Salvador
Abertura do festival envolveu o público com a celebração da diversidade cultural do continente africano.
Por Anna Luiza Santos
Um encontro cultural que transmitiu conhecimentos, emoções e ancestralidade, realçando a pluralidade do continente africano. É assim que podemos sintetizar a abertura da Mostra de Cinemas Africanos em Salvador, que aconteceu dia 18 de setembro de 2024, no Cineteatro 2 de Julho, localizado no Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (IRDEB), na Federação.
A abertura contou com a presença da idealizadora e diretora da Mostra, Ana Camila Esteves, do diretor geral do IRDEB, Flávio Gonçalves e de diversos convidados africanos, entre eles a cineasta Ramata-Toulaye Sy, que dirigiu o filme “Banel & Adama” exibido na sessão de abertura. Este ano a Mostra de Cinemas Africanos trouxe para Salvador mais de 30 filmes de 16 países da África.
Expondo a diversidade política, estética e culturais africanas, sem exotizar ou romantizar, o festival neste ano, depois de 15 edições, conta com um detalhe que emociona a diretora Ana Camila Esteves: o reconhecimento.
“A Mostra de Cinemas Africanos nasceu de forma independente em Salvador e agora voltamos a ocupar a cidade dentro do edital de eventos calendarizados da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia. Esse reconhecimento é muito importante para a gente, de que o trabalho tem qualidade e relevância. Então, essa edição tem um gosto mais especial para mim”, confessa a diretora.
Para Flávio Gonçalves, a escolha do IRDEB como local de abertura, em um Cineteatro recém inaugurado, é uma ferramenta de democratização da cultura para a população da cidade mais negra fora da África. “Nós, enquanto televisão pública, rádio pública e agora um cineteatro público, temos o compromisso de oferecer uma programação de qualidade, acessível, diversa e, nesse caso, gratuita. Estamos aqui para permitir e ajudar a garantir o direito que as pessoas têm de acessar cultura”, declara.
A sessão de abertura também foi envolvida por um conto moderno de emancipação: o longa “Banel & Adama”, dirigido pela diretora franco-senegalesa Ramata-Toulaye Sy. A riqueza da direção de Ramata se materializou em cores, expressões, sons e imagens, narrando um drama romance que foi exibido para uma plateia lotada. Não à toa, o filme concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2023.
O filme vai além de uma intensa história de amor. Ele expõe conflitos internos, debate sobre individualidade e coletividade e o confronto com as tradições. “O destino de uma jovem é dar filhos homens ao marido”, lembra a sogra de Banel em uma cena. Mas Banel faz questão de mostrar a cada segundo da trama que essa premissa patriarcal não faz parte da construção do seu personagem, trazendo à cena as múltiplas perspectivas das mulheres africanas.
É impossível falar sobre a história dos povos africanos sem falar sobre as lutas pela liberdade contra-coloniais, principalmente para mulheres. Por isso, para a cineasta Ramata-Toulaye Sy, esse filme é tão importante para conectar os negros brasileiros com o outro lado do Atlântico.
“Considerando que tanto o filme, tanto a personagem, quanto eu mesma estávamos em uma jornada identitária, acredito que o filme é uma forma de se entender, de se colocar nessas questões e de se perguntar sobre suas identidades e suas raízes”, refletiu Ramata, em francês, contando com tradução simultânea.
Quem estava na plateia foi atravessado por essas perguntas entrelaçadas na narrativa. Foi o exemplo de Emerson Pereira, estudante de cinema e diretor de filmes em Salvador, que ficou intrigado e curioso. “Terminei de assistir o filme com muitas questões sobre as personagens e sobre mim, me questionando sobre as cenas que vi e como as interpretei. Tudo o que aconteceu deixou um gosto de ‘quero mais’, de acompanhar essa personagem por mais tempo, é impossível não se envolver na história e no olhar profundo e enigmático de Banel”, garante Emerson.
Já a catarinense Maíza Correia, 37, funcionária pública, foi outra das espectadoras que saiu da sala do Cineteatro impactada. “Eu achei o filme incrível, principalmente a profundidade com que os temas foram tratados. É muito bom quando a gente sai desse circuito de Hollywood, mainstream, e vai pra esse outro circuito com histórias negras e sensíveis. É importante ver pessoas parecidas com a gente nas grandes telas”, contou.
Para aqueles que buscam aprender mais sobre a pluralidade que a África apresenta em seus 54 países, a Mostra de Cinemas Africanos é um compromisso obrigatório. Difundindo conhecimento e promovendo conexão entre o audiovisual africanos e brasileiros, o festival se apresenta como um instrumento de conscientização e encontro ancestral.